quarta-feira, 13 de dezembro de 2006

"Tabacaria" - Álvaro de Campos

Porque há pessoas que nos expressam melhor que nós próprios...

"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. (...)
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer (...)
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada. (...)
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos! (...)
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada. (...)
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me. (...)"

Apesar de o ter relido milhões de vezes, não consigo controlar ou ultrapassar o aperto no peito e calafrio na espinha, o sentimento de estar despida, de alma nua frente ao espelho julgando-me a mim mesma.

E para quem quiser lê-lo em todo o esplendor: http://www.revista.agulha.nom.br/facam08.html

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