quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Perder a âncora

A menos de quinze dias de completares 95 anos encontraste o caminho de volta para a Ditinha. Sei que é a melhor prenda que podias ter mas nem isso apaga a vontade de falar contigo mais uma vez, de te chamar Nato e discutir o nosso benfica. Quando os meus pais me disseram que estavas prostrado há dois dias quase sem reacção, soube que algo não estava bem. Isso não eras tu. Tu reagias a tudo, reclamavas com as enfermeiras, discutias com os médicos a insensatez de te manter internado, logo tu que tinhas uma casa para onde ir e de que cuidar. Sempre dissemos que nos ias enterrar a todos, mas hoje perdeste a força que te caracterizava. Devia estar preparada mas não estava, foi um choque, foi demasiado depressa. Ainda queria ouvir a tua voz mais uma vez a lembrar-me 'o teu avô está velho'.

Agora recapitulo alguns bons momentos e memórias gloriosas... os dias no campismo... a educação rigorosa e a teimosia maior de sempre... os almoços de domingo por estradas intermináveis com relatos de futebol a acompanhar e que me puseram a gostar de bola... os discursos característicos e imensos... o chapéu e vara de fada que improvisaste para mim num carnaval... as comemorações e o 'sai da frente da televisão'... o traje académico que comprei só por vossa causa para a foto que tanto querias... o teu canto de tenor... o JN comprado religiosamente... o cata-vento que me fizeste em Angeiras... o teu escritório na rua do almada... as nódoas nas gravatas... a visita ao hospital quando fui operada... a tua letra desenhada... quando tirei a carta e me pediste para te levar a dar uma volta... o orgulho quando falavas de qualquer um dos netos... a tua alegria imensa quando te visitava de surpresa... e o sentimento quando me abraçavas e dizias 'minha neta lembra-te sempre que o avô gosta muito de ti'.
Com todos os defeitos que tinhas, sempre foi um orgulho ter o teu nome. E hoje, como sempre, espero que saibas disso e que descanses com a certeza que a tua neta nunca te vai esquecer.

5 comentários:

Man Next Door disse...

Lamento, companheira!

Passei pelo mesmo há uns meses, também repentinamente e, não tendo um elo de ligação tão forte, mesmo assim foi duro.

Guarda essas memórias bonitas e sorri sempre que te lembrares dele.

Forcinha!

Pintas disse...

Parece que te estou a ouvir a descrever-te a ti própria...tantas caracteristica dele. Tantas.

Julio Afonso disse...

Amiga, Lamento a tua perda,
Mas belo ver esta pequena/Grande homenagem.
E faço minhas as palavras do "Man Next Door"
Guarda essas memórias bonitas e sorri sempre que te lembrares dele.

Forcinha!

redordead disse...

obrigada meus queridos

csantos disse...

Não tenho o mesmo talento que tu para expressar os sentimentos por palavras, mas consigo dizer que foi um privilégio ter conhecido o vosso avô, que tal como a Ditinha, foram pessoas muito especiais, de grande carácter que marcaram as vossas personalidades, pois consigo ver características deles em qualquer um dos netos...
Fico feliz por poder ter partilhado poucos (menos do que gostaria...) mas bons momentos com ele!
Um beijo de eterna saudade!